Apesar de ter uma das maiores cargas tributárias do mundo, o Brasil segue deixando a desejar no que diz respeito a transformar essa arrecadação em benefícios para a população. Afinal, há saída para isso?
Nesta quinta-feira, 30, milhares de estabelecimentos de diversas partes do país decidiram aderir ao Dia Livre de Impostos, criado em 2003 pela Câmara de Dirigentes Lojistas Jovem, com o intuito de deixar claro ao consumidor como a alta tributação afeta seu poder de compra.
A lógica, segundo seus organizadores, é a de que "altos tributos sem retorno têm impacto ruim na vida das pessoas", tornam os produtos mais caros, gerando uma queda nas vendas do varejo, que passa a contratar menos funcionários. E, "sem emprego, as pessoas diminuem seus gastos e assim por diante, num ciclo".
No último dia 24, o Brasil chegou a R$ 1 trilhão em arrecadação de tributos em 2019, segundo o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), marca que, nos anos anteriores, só estava sendo alcançada nos meses de junho ou julho.
Em 2018, a carga tributária equivaleu a 33,58% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com o Tesouro Nacional, totalizando R$ 2,292 trilhões, R$ 155 bilhões a mais do que no ano anterior. Considerando os três últimos anos, o brasileiro trabalhou 459 dias só para pagar impostos.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), em um ranking de 30 países, o Brasil, com seus 63 tributos, é o 14º que mais arrecada impostos e o último que melhor retorna o dinheiro para a população.
Em meio a esse cenário, o país se prepara para votar uma proposta de reforma tributária que pretende simplificar o sistema dentro de dez anos, mas sem reduzir a carga.
De autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), a proposta (PEC 45/2019) acaba com três tributos federais, um estadual e um municipal, que incidem sobre o consumo, criando, em seu lugar, o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), de competência das três esferas, e um outro imposto, sobre bens e serviços específicos, de competência apenas federal.
Ela foi aprovada recentemente pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e segue agora para a comissão especial.
Em um país onde de tudo o que é consumido, 33%, em média, são impostos, muitos brasileiros recorrem a vias ilegais para escapar da alta taxação, criando outro grande problema, a sonegação.
E o grande vilão, nesse caso, são as empresas, cujo faturamento não declarado chega a R$ 2,17 trilhões por ano, com tributos sonegados somando R$ 390 bilhões anuais, segundo o IBPT.
Ainda assim, o Instituto destaca que "com os novos sistemas de controles fiscais, o Brasil já possui o menor índice de sonegação empresarial da América Latina (17% do faturamento)" e, em três anos, esse "índice estará na média dos países desenvolvidos".
Mas, atualmente, há indícios de sonegação em 49% das empresas de pequeno porte, 33% das empresas de médio porte e 18% das grandes empresas, com os valores mais significativos no setor industrial, seguido do comércio e prestação de serviços. Os tributos mais sonegados são ICMS, Imposto de Renda e CSLL.
"Por atividade econômica, a sonegação de ICMS é maior no setor do comércio, seguido das empresas industriais e das prestadoras de serviços", informa o IBPT.
Por que o dinheiro não rende?
Para Maurício Stainoff, presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Estado de São Paulo (FCDLESP), entidade que apoia o Dia Livre de Impostos, o grande problema no que diz respeito à baixa taxa de conversão dos tributos em benefícios para o povo é o fato de que, no Brasil, a maior parte da arrecadação, quase a totalidade, é destinada ao custeio da máquina pública. Segundo ele, sobra apenas algo em torno de 2% para investimentos estatais em desenvolvimento.
"A máquina pública é muito grande, a máquina pública é lenta, ela não produz, ela só consome recursos públicos. E, praticamente, o custo do Estado, ele toma toda a receita tributária do país", disse ele em entrevista à Sputnik Brasil.
Stainoff ressalta que quem paga o preço de toda essa tributação é o consumidor final, já que as empresas repassam os valores das taxas para os seus produtos.
"O que nós estamos fazendo no DLI (Dia Livre de Impostos)… demonstrando claramente para o consumidor quanto é o imposto. Então, na verdade, o DLI é uma grande promoção onde o desconto é a carga tributária. O lojista paga o imposto, ele não vai deixar de pagar, mas ele dá a carga tributária como desconto, como uma promoção."
Marcel Solimeo, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), também considera o tamanho do Estado brasileiro um empecilho. Em declarações à Sputnik, ele afirma que esse "inchaço", representado pelos "gastos do governo com ele mesmo", impede que boa parte do que é arrecadado possa retornar para a sociedade.
Além disso, também considera haver um grande desperdício nesse sistema, que arrecada de maneira centralizada, pela União, para, só em seguida, redistribuir parte do montante entre estados e municípios.
O especialista pondera que a alta carga tributária brasileira seria, obviamente, um problema menor se o dinheiro arrecadado fosse utilizado para trazer benefícios à sociedade. Hoje, segundo ele, os brasileiros pagam duplamente por muitos serviços, já que o que é dado na forma de impostos não traz o retorno esperado, forçando muitas pessoas a recorrerem a serviços privados.
"Acho que é um primeiro passo simplificar. O segundo passo, tornar mais justa a tributação. E um terceiro passo é utilizar melhor os recursos arrecadados e descentralizar essa arrecadação, para que não tenha o passeio do dinheiro, que sempre acaba gerando desperdícios. E, depois, então, reduzir a carga tributária. Mas, para isso, o governo precisa, do outro lado, reduzir os gastos. Sem redução dos gastos, não vai ser possível reduzir a carga tributária", afirma.
Tanto Solimeo quanto Stainoff entendem que a situação atual do país, de crise, não permite uma redução imediata da carga de tributos pagos pela população, que, segundo eles, afetam de forma mais aguda justamente a parcela com menor poder aquisitivo.
Para tentar reverter esse quadro ou torná-lo menos grave, eles defendem maior participação popular nas discussões e nas cobranças sobre o governo, no que se refere à gestão do dinheiro arrecadado através de impostos e também quanto ao inchaço da máquina pública.
"É como um condomínio. A gente paga o condomínio e fica sempre de olho no síndico, né? Por que se a gente não ficar de olho, pode gastar mal o dinheiro. A mesma coisa é em relação aos governos, a gente tem que pagar, mas tem que exigir que o dinheiro seja bem aplicado. É chamar a atenção da sociedade para isso.
Da mesma forma que o Impostômetro, é procurar conscientizar a população de que ela é contribuinte. E, como contribuinte, tem direitos. Mas também tem a obrigação de fiscalizar como é usado o seu dinheiro", sublinha o economista da ACSP.
A PEC 45/2019, aprovada no último dia 22 em sessão que julgou a admissibilidade constitucional da proposta, na CCJ, foi alvo de resistência apenas do PSOL, que decidiu obstruir a votação e se posicionar contrariamente ao texto.
Embora partidos como PT, PDT e PSB tenham orientado votos a favor, alguns deputados da oposição fizeram ressalvas quanto ao mérito da proposta, dando sinais de que a mesma pode ter um caminho mais complicado na comissão especial. As principais críticas vão no sentido de entender que a PEC, no seu formato atual, não ataca a questão da desigualdade e da concentração de riquezas, focando apenas na taxação do consumo e não dos lucros e dividendos.
"Embora seja fundamental e prioritária uma reestruturação do modelo fiscal, a proposta em tramitação não ataca as distorções do nosso atual sistema e cria novas desigualdades. Lucros e dividendos, e grandes fortunas continuam isentos de tributação, por exemplo", afirmou a deputada federal Talíria Petrone (PSOL).
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