Mais de 32 milhões de moradores dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro correm, atualmente, o risco de sofrer com falta de abastecimento de água, de acordo com levantamento da ANA (Agência Nacional de Águas). A marca representa mais da metade da soma (51,6%) da população do dois estados.
No estado de São Paulo, são 20,5 milhões de pessoas sob risco de desabastecimento, o equivalente a 45,1% da população de 45,5 milhões. No estado do Rio, o risco ameaça 11,8 milhões, o que representa 68,6% dos 17,1 milhões de habitantes.
No total do país, 60,9 milhões estariam sob ameaça de ficar sem água -- uma parcela de 29,2% dos 208,5 milhões de habitantes estimados pelo IBGE.
Segundo a agência, a maior parte desta população enfrenta uma situação em que as fontes já não oferecem água suficiente para o pleno atendimento da demanda. Ou seja, o consumo entrou em uma espécie de "cheque especial", superando o volume previsto de água disponível. Uma proporção menor vive em situação de risco iminente, isto é, a demanda está se aproximando da oferta, e a ameaça de ficar sem água está próxima.
As contas se baseiam em um novo índice elaborado pela ANA: o ISH (Índice de Segurança Hídrica), que aponta a quantidade de moradores em risco levando em consideração a oferta de água para a população, a oferta para a produção econômica, a vulnerabilidade dos mananciais e o potencial dos estoques de água.
O governo de São Paulo e a a Cedae, empresa de captação e distribuição de água vinculada ao governo do Rio, discordam das conclusões da ANA (veja mais abaixo).
Estados mais críticos
Com os dados da agência e projeções do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a reportagem calculou o percentual da população em risco em cada unidade federativa. A proporção de moradores do Rio sob risco é a maior do país, embora em números absolutos a quantidade de habitantes de São Paulo sob ameaça seja maior.
Marcelo Cruz, diretor da ANA, classifica a situação no Rio e em São Paulo como crítica em virtude da densidade populacional e da necessidade de utilização da água em contraponto à estrutura existente.
De acordo com o estudo da agência, dois estados do Nordeste também enfrentam situações graves. As 5 milhões de pessoas ameaçadas de ficar sem água em Pernambuco representam 53,4% da população do estado. Na Paraíba, há 1,8 milhão sob risco, o equivalente a 45,8% dos habitantes.
Obras contra a escassez
A ANA alerta que, se nada for feito, o número de habitantes sob risco no país aumentará em 21% até 2035 e chegará a praticamente 74 milhões.
Para combater o problema, a agência propõe a realização de uma série de obras nos próximos anos. São ao todo 99 obras consideradas prioritárias, como dutos, canais e barragens. Estima-se elas custarão R$ 27,6 bilhões. Parte delas seria de responsabilidade do governo federal, e a outra caberia a governos estaduais.
"O Brasil tem 12% da água doce do mundo, mas ela está basicamente na região Norte. Diferentemente do setor elétrico, a gente não tem linhas de transmissão para fazer a distribuição [da água]. Esta infraestrutura proposta, grosso modo, seria como as linhas de transmissão para que a gente chegue com a água nos diversos lugares, nos diversos atendimentos e seus usos todos", diz o diretor da ANA.
A lista de obras faz parte do Plano Nacional de Segurança Hídrica, desenvolvido em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Regional e lançado recentemente. Segundo Marcelo Cruz, o plano não contará com uma verba específica, mas poderá orientar os orçamentos públicos dos próximos anos.
De 2016 para cá, o governo federal tem investido cerca de R$ 1 bilhão por ano em segurança hídrica. Será necessário, portanto, ampliar os investimentos. "Este plano dá um norte. E podem acontecer investimentos privados que desonerem o investimento público", declara o diretor da ANA.
De acordo o plano, as nove obras previstas no Rio de Janeiro custariam R$ 5,1 bilhões e as 15 sugeridas para São Paulo exigiriam um investimento de R$ 2,8 bilhões. O estudo projeta que elas seriam capazes de praticamente acabar com o risco hídrico nestes estados.
Governo de SP e empresa do Rio contestam dados sobre risco
O governo de São Paulo diverge dos dados sobre risco de falta de água apresentados pela ANA. "A Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente não concorda com a perspectiva de risco apontada pelo citado relatório, já que medidas vêm sendo tomadas justamente para garantir o abastecimento da população a médio e longo prazos", diz a pasta por meio de nota.
"Nos casos onde os municípios concederam os serviços [de abastecimento] à Sabesp [371 de 645 cidades do estado], a segurança hídrica está garantida por obras como o Sistema Produtor São Lourenço e a Ligação Jaguari-Atibainha. Exemplo dessa segurança é que, em 2018, ocorreu uma seca tão severa quanto a de 2014/15 e nem se percebeu o fenômeno no que se refere ao abastecimento", argumenta a secretaria paulista.
A Cedae, empresa de captação e distribuição de água vinculada ao governo do Rio, também contesta o risco apontado pela ANA. "Não há risco de desabastecimento generalizado no Rio. A Ceade vem investindo na ampliação da oferta de água, tendo em vista o crescimento da população do estado. Durante o período de crise hídrica no Sudeste, não houve interrupção do fornecimento de água para a população", afirma em nota. A empresa também diz que está executando um pacote de obras de infraestrutura, "com investimentos de R$ 3,4 bilhões na região da Baixada Fluminense".
A Secretaria do Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Rio comenta, por sua vez, que "em resposta ao Plano Nacional de Segurança Hídrica, trabalha na elaboração do Plano Estadual de Segurança Hídrica". A pasta informa que forneceu dados para que a ANA elaborasse a lista de obras prioritárias no estado.
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