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Ministra Damares Alves: "O pastor ia ao meu quarto à noite pra me estuprar"


Futura ministra Damares Alves relata os casos de estupro dos quais foi vítima entre os seis e os oito anos Imagem: Rafael Carvalho/Divulgação/Governo de transição

De maneira emocionada, a futura ministra de Mulheres, Família e Direitos

Humanos, Damares Alves, detalha nesta entrevista à Universa, e pela primeira

vez, a série de estupros dos quais foi vítima quando era criança. Nas últimas

semanas, a pastora evangélica e sergipana teve falas e propostas políticas

altamente criticadas --uma delas, envolve uma extemporânea "bolsa estupro", a

ser concedida para mulheres que aceitassem ter o filho, fruto da violação.


No entanto, nesta entrevista, esses assuntos não serão tratados. Damares achou

por bem falar do que viveu, primeiro, por motivos psíquicos que só a ela

competem. Segundo, porque eles explicam, em parte, sua escolha por dedicar boa

parte de sua atuação como advogada na defesa de crianças violentadas e, por

último, porque os episódios envolvendo o médium João de Deus trouxeram o

assunto novamente à pauta.


Damares revela que foi violentada por dois pastores da igreja que ela e a família

frequentavam. Aos 10, ela pensou em se matar e conta que subiu em uma


"O primeiro abusador foi às vias de fato. Fui estuprada por dois anos. Ele dizia

que eu era 'enxerida', que a culpa era minha e que, se falasse, meu pai morreria",

diz a futura ministra. O segundo, que a machucou quatro vezes, em uma delas,

ejaculou em seu rosto. "Falar sobre isso me dói. Me expor custa demais. Mas

entendo que preciso passar a mensagem de que sobrevivi."


A senhora pode detalhar as violências pelas quais passou?


Fui abusada por dois religiosos. Da primeira vez, foi um missionário da igreja

evangélica que frequentávamos na época, em Aracaju (SE). Ele foi enviado de

uma outra igreja para a minha cidade e ficou hospedado na minha casa. Chamo

ele de 'falso pastor' porque era um pedófilo fingindo ser pastor. Ele foi às vias de

fato comigo. Eu falo abuso, mas foi estupro. Foram várias vezes em um período

de dois anos. Começou quando eu tinha seis anos e a última vez que o vi estava

com oito. Uma das cenas que lembro bem é: eu estava dormindo no meu quarto,

que era ao lado do de meus pais. Estava sonhando que segurava uma coisa

quente e, quando, abri os olhos, estava segurando o pênis desse homem. Senti

pavor, medo e dor. Da primeira vez que me estuprou, ele me colocou no colo,

olhou na minha cara e disse: 'Você é culpada, você me seduziu, você é enxerida'.

Ele dizia que seu eu contasse para o meu pai, ele (o pastor) o mataria

O segundo religioso fez a mesma coisa?


Ele também frequentava nossa casa. Me tornei uma presa fácil porque depois do

primeiro abuso tinha muito medo e achava que o primeiro tinha contado para o

segundo. Ele não foi às vias de fato. Me recordo de quatro momentos. Passava a

mão no meu corpo, me beijava na boca, me colocava no colo. Uma vez

ejaculou no meu rosto.


Seus pais não sabiam?


Já adulta soube que meus pais descobriram. Mas, na época, nada foi feito. E eu

também não falava nada, porque tinha medo de que ele matasse meu pai

(Damares se refere ao primeiro estuprador). Fiquei refém daquele predador.

Acontece com a maioria das meninas abusadas: algumas não falam porque são

ameaçadas, outras, porque têm medo da reação do pai e da mãe e há as que

acham que ninguém vai acreditar. Mas eu emitia muitos sinais. Infelizmente,

ninguém notou.


Que sinais eram esses?


Me tornei uma menina triste. Antes dos abusos eu sentava no primeiro banco da

igreja, cantava feliz, dançava. Depois, não cantava do mesmo jeito, não dançava.

Virei uma criança retraída. Tinha pesadelos e gritava à noite. Eu tinha dois

ambientes de proteção: a família e a igreja. O terceiro devia ser a escola, mas

quando cheguei nela já estava destruída. Acharam que eu era assim, e fui tratada

como uma menina tímida. Os três ambientes falharam comigo. E não podia falar,

o silêncio foi imposto. Passei por um duplo abuso e quero que você escreva sobre

isso. O objetivo de contar minha história é porque sei que milhões de meninas e meninos têm essa dor profunda. Vou lembrar sempre do que

aconteceu.


Por que diz que a família e a igreja falharam?


Quando meus pais descobriram, foram conversar com religiosos da igreja e

tiveram a orientação de não falar comigo, mas de orar. Naquela época não se

falava de sexo com filhos, minha mãe nunca falou de menstruação. Trocaria anos

de oração por um abraço ou uma conversa quando ela descobriu. Os pais

precisam fazer isso: ler os sinais, prestar atenção nos filhos, perguntar se a

criança quer contar alguma coisa, perguntar se alguém fez um carinho esquisito.

Se alguém tivesse me dito para gritar, eu teria gritado.


Como soube que seus pais descobriram o que aconteceu?


Aos 24 anos, vi em um jornal que um pastor foi preso por abusar de uma criança.

Identifiquei o homem, era o mesmo que tinha abusado de mim. A foto me

incomodou muito. Fui para o quarto chorando. Minha mãe disse que sabia

porque eu chorava, que era por causa do homem que estava no jornal. Não sei

exatamente, eles devem ter flagrado ou eu devo ter dito algo enquanto estava

sonhando. Eles descobriram, foram falar com ele, e ele fugiu. Fiz uma cobrança

de memória e lembrei que ele, de fato, sumiu da nossa vida.


Depois dos estupros, a senhora disse que tentou se matar. O que

aconteceu?


Era tanta dor e sofrimento que resolvi interromper minha vida. Peguei veneno de

rato e subi no pé de goiaba, onde ia para chorar. Ia lá para não ser vista. Quando

subi com o veneno, vi meu amigo imaginário, o personagem que é Jesus, de

barba, roupa branca. O saquinho caiu da minha mão e desisti. Estão me

ridicularizando por ter falado isso, mas se vocês não acreditam, problema é de

vocês. Tem criança que vê duende, que fala com fadas. Eu vi Jesus. Percebo que

há uma discriminação religiosa sórdida que está banalizando o sofrimento de

uma criança.


A senhora fala da escola como um lugar que poderia tê-la protegido,

mas falhou. Aulas de educação sexual, no seu caso e no de milhões de

crianças poderiam ajudar, correto (no mês passado, o presidente

eleito Jair Bolsonaro disse que "quem ensina sexo é papai e mamãe e

ponto final")?


Sim. Sou a favor da educação sexual. Vou conversar com o Ministério da

Educação sobre isso. A escola vai ter que ter um papel importante para combater

abusos contra crianças. A primeira ideia é capacitar professores para identificar

violências contra os alunos. Mas é preciso respeitar as especificidades de cada

idade. E a família deve ser ouvida e consultada. Se a família não quiser que o filho

aprenda sobre o assunto, vai ser responsabilizada por isso.


Mas não é perigoso deixar essa decisão final na mão da família sendo

que em 65% dos casos os abusadores de crianças fazem parte do

grupo familiar?


A escola tem o caminho para saber se a família é um lugar de proteção. Teria de

ser analisado. Mas, repito, a família tem que ser ouvida e consultada.


 



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