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Por que a crise na Venezuela interessa tanto países como Rússia, China e Turquia


A questão venezuelana ultrapassa as fronteiras do continente americano

Seja por motivos políticos ou econômicos, nações acompanham de perto o que ocorre na Venezuela e temem as consequências da crise no país de Maduro e Guaidó.


As notícias sobre a Venezuela ganham destaque em países muito além da América Latina. Seja no alfabeto latino, cirílico ou persa, o país sul-americano desperta interesse em todo o planeta - mesmo em Estados com os quais a Venezuela não tem laços históricos ou comerciais.


A Venezuela de Nicolás Maduro (e antes disso, a de Hugo Chávez) é um assunto polêmico inevitável em debates eleitorais de nações tão diferentes quanto Espanha e Irã.


Provoca divisão, inclusive, entre parceiros políticos. Foi o que ocorreu com o Movimento 5 Estrelas e La Liga, que governam juntos a Itália, mas têm posições opostas em relação à legitimidade de Maduro como líder do Executivo - por isso, os grupos decidiram não reconhecer nem Maduro nem Juan Guaidó como presidentes da Venezuela. Acima de tudo, a Venezuela mantém em compasso de espera as nações que não têm boas relações com os Estados Unidos. Mas o que há de tão especial na Venezuela que atrai a atenção de tantos países?


C H I N A D E O L H O N O S S E U S I N V E S T I M E N TO S


A razão da China para acompanhar de perto o que acontece na Venezuela tem 11 números. O país asiático é o maior credor de Caracas. Enquanto o resto dos agentes econômicos duvidava cada vez mais da capacidade do país sul-americano de saldar suas dívidas, Pequim emprestou mais de US$ 50 bilhões para a Venezuela (alguns analistas estimam que o valor seja ainda maior, na ordem de US$ 67 bilhões).


Acredita-se que boa parte desse empréstimo já tenha sido paga pelo país sul-americano. Segundo Carlos de Sousa, especialista na América Latina da empresa de análise e previsão econômica Oxford Economics, ainda faltaria pagar pelo menos cerca de US$ 16 bilhões. Foi justamente essa falta de transparência que fez com que a opinião pública chinesa ficasse desconfiada dos investimentos feitos na Venezuela.


Vincent Ni, analista da BBC para a China, explicou à BBC World que o governo "geralmente é muito aberto" em relação a seus investimentos no exterior. Então, o fato da China não "querer revelar quanto emprestou à Venezuela diz muito".


Diante da censura a que está submetida a população chinesa, é preciso recorrer à internet para saber o que os chineses pensam sobre esse tema. "Basicamente, (os chineses) dizem que a China ainda é um país em desenvolvimento e que há muitas pessoas vivendo na pobreza. (Assim, como pode) estar dando tanto dinheiro a outros países?", disse Ni.


O especialista ressaltou, porém, que é difícil saber o quão representativos são comentários anônimos na internet com esse teor. Mas a decisão chinesa de investir na Venezuela é estratégica. "(A China) sempre teve uma visão de longo prazo em relação à Venezuela: sendo este o país com as maiores reservas de petróleo do mundo, fazia sentido investir ali como uma forma de garantir uma fonte de petróleo, (produto) que é necessário para seu crescimento", disse Carlos de Sousa, da Oxford Economics.


Russ Dallen, um dos sócios do banco de investimentos Caracas Capital Markets, disse ao canal americano CNBC que os chineses temiam que a oposição venezuelana não reconhecesse as dívidas contraídas pelo país durante os anos de Hugo Chávez - ou então que encontrariam "brechas legais" para não honrar com os pagamentos.


"Os chineses não sabem o que fazer. Os homens de Maduro não estão pagando... e a situação continua se deteriorando", disse Dallen. Porém, Guaidó já tentou dissipar as dúvidas e os receios chineses. "Nosso governo vai agir com respeito às leis e às obrigações internacionais (da Venezuela)", disse Guaidó em entrevista ao jornal chinês South China Morning Post, no início de fevereiro. "Todos os acordos que foram assinados com a China de acordo com a lei serão respeitados."


Pequim, por ora, já demostrou seu apoio a Maduro. Mas também admitiu ter falado com "todas as partes" do conflito. Mais do que fidelidade política, a prioridade chinesa é assegurar seus interesses econômicos. "A China ainda não sabe que lado escolher", disse Ni. "Durante a Primavera Árabe, (a China) apoiou (o falecido líder líbio) Khadafi até sua queda. Mas, quando ele caiu, (a China) mudou de lado e ninguém se importou".


A R Ú S S I A E O S D O I S C A M P O S D E B ATA L H A


Para a Rússia, a Venezuela representa um interesse geopolítico "muito importante" para "neutralizar os interesses" dos Estados Unidos em áreas tradicionalmente consideradas de influência russa, explicou Carlos de Sousa. "(O envolvimento dos EUA no confronto com a Ucrânia) foi uma situação muito incômoda para a Rússia".


Então, o governo Putin está fazendo o mesmo na Venezuela: 'bem, agora sou eu que te incomodo'. Então, (a questão venezuelana) não é algo essencial, mas é interessante para que a Rússia tenha alguma influência no 'quintal' dos EUA", acrescentou o especialista. Para os russos, a Venezuela não apenas representa um campo de batalha externo, mas também interno.


O editor do serviço russo da BBC, Famil Ismailov, afirmou em dezembro: "Geralmente, o povo russo está cansado de ajudar governos como o sírio e o venezuelano, em vez de ver esse dinheiro investido dentro do país. Mas o governo russo tem uma máquina de propaganda muito forte". O presidente Vladimir Putin apoia fortemente Maduro, e a imprensa russa oficial questiona o apoio popular à oposição venezuelana.


"Também há interesses econômicos muito importantes. A Rússia investiu cerca de US$ 10 bilhões (na Venezuela)", apontou Sousa. Alguns analistas acreditam que o número pode ser ainda superior, de cerca de US$ 17 bilhões. "Os russos viram (a situação da Venezuela) de forma oportunista. A recessão no país e a queda na produção de petróleo já haviam começado.


Então, a Rússia viu uma oportunidade de comprar ativos da indústria petrolífera a preços muito baratos", disse o analista da Oxford Economics. Os deputados russos questionam frequentemente sobre o futuro do dinheiro emprestado para a Venezuela. Um dos motivos é que, na Rússia, muitos pensam que esse dinheiro não vai ser recuperado. "Quando os russos investem em um país, fazem isso pela política, não por razões econômicas. Esse dinheiro (emprestado para a Venezuela) não vai voltar.


É um pagamento feito à Venezuela pelo seu apoio à causa russa", continuou Ismailov. "É importante mostrar para o público interno que a Rússia desempenha um papel de superpotência e tem países amigos. (A ideia então é que) vale a pena pagar por isso".


"A oposição venezuelana já indicou tanto para a Rússia quanto para a China que quer continuar a fazer negócios com esses países no futuro, quando estiver no governo", afirma Sousa. "Obviamente, quando a oposição assumir o governo no futuro, se assim for, toda a dívida com a China e a Rússia terá de ser reestruturada... E, sobre isso, eu não tenho a menor dúvida: todos vão perder em alguma medida."


I R Ã E A ' V E N E Z U A L I Z A Ç Ã O '


Apesar de estarem separados por mais de 12 mil quilômetros, o Irã e a Venezuela mantêm uma relação que, segundo o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, é "sagrada". O Irã tem sido um dos poucos países a demonstrar apoio a Maduro, chamando a autoproclamação de Guaidó de "tentativa de golpe".


Chávez e o ex-presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad foram os responsáveis por fortalecer os laços entre os dois países. Desde então, ocorreram diversas visitas oficiais dos dois lados. Mas a aliança entre a Venezuela e o Irã é de natureza diferente, como explica o editor da emissora persa da BBC, Ebrahim Khalili: "O governo apoia a Venezuela porque sua estratégia é ser contra tudo que os Estados Unidos são a favor. Fala abertamente que devemos estar perto dos inimigos dos nossos inimigos".


T U R Q U I A E M B U S C A D E O U R O V E N E Z U E L A N O


Maduro também é muito conhecido na Turquia. Em setembro do ano passado, por exemplo, um vídeo do venezuelano saindo de um restaurante de luxo em Istambul provocou controvérsia. Era a quarta visita de Maduro à Turquia desde 2016, quando as relações entre as duas nações começaram a florescer. Naquele ano, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan sofreu uma tentativa de golpe, e Maduro foi um dos primeiros líderes mundiais a apoiá-lo.


Não surpreende, então, que Erdogan tenha criticado os Estados Unidos por apoiarem Guaidó. O parlamento turco tem, inclusive, um grupo dedicado à "amizade" turco-venezuelana. Segundo seu presidente, Kerem Ali Surekli, do partido de Erdogan, "ambos os países resistem a intervenções externas, rechaçam intervenções externas e bastam a si mesmos".


Além dos paralelos políticos, há um fator econômico que leva os turcos a manterem os olhos na Venezuela. "A Turquia é um importante produtor de jóias e um dos maiores importadores de ouro do mundo", explica Sousa. "E, no ano passado, se tornou um dos parceiros comerciais mais importantes da Venezuela, porque compra muito ouro do país sul-americano."


Í N D I A T E M E Q U E O P E T R Ó L E O E N C A R E Ç A


A situação venezuelana não ganha muito destaque na imprensa da Índia, mas o setor econômico do país não perde um detalhe sobre o que ocorre no país latino-americano. O motivo é que, já há uma década, a Índia é o segundo ou terceiro maior comprador de petróleo venezuelano.


"A Índia provavelmente pode se beneficiar de sanções (dos Estados Unidos à estatal do petróleo venzuelana PDVSA), porque é outro mercado para o qual a Venezuela poderia redirecionar algumas das suas exportações", afirma Sousa. "(A Venezuela) não faria isso (redirecionar suas exportações) com a China, já que, segundo acreditamos, está atrasando pagamentos de dívidas contraídas com o país asiático desde maio de 2018.


Então, se a Venezuela exportar mais petróleo para a China, seria simplesmente uma amortização mais rápida da dívida que contraiu, em vez de obter uma receita maior de petróleo. Já a Índia pagaria em dinheiro". Mesmo assim, Sousa acredita que a Venezuela poderá redirecionar para a Índia apenas uma fração de todas as suas exportações para os Estados Unidos.


O ministro do Petróleo e chefe da PDVSA, Manuel Quevedo, viajou em março para a Índia, onde diz ter tido "um encontro muito produtivo". "Vamos continuar a trabalhar através da troca de petróleo", afirmou. O conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, John Bolton, reagiu no Twitter com uma advertência: "Os países e empresas que apoiarem o roubo que Maduro faz dos recursos venezuelanos não serão esquecidos".


Para o especialista em estudos energéticos e ambientais do Conselho Indiano sobre relações globais Gateway House, Amit Bhandari, a preocupação da Índia é que a queda da produção venezuelana produza um aumento nos preços do petróleo. O país é o terceiro maior importador de petróleo bruto do mundo, atrás de China e dos Estados Unidos. "A maior preocupação da Índia é que importamos cerca de 85% de todo o petróleo que consumimos.


Se a Venezuela, com sua significante oferta de petróleo, ficar fora do mercado, o preço vai subir para todos, sejam clientes da Venezuela ou não" , considera Bhandari.


Z I M B Á B U E , A ' V E N E Z U E L A D A Á F R I C A '


O interesse que a Venezuela desperta em outros países nem sempre deriva de fatores econômicos ou geopolíticos. É o caso do Zimbábue, que não é um importante parceiro comercial do país latino. "Ambos os países foram prósperos no passado e tinham líderes pitorescos que desafiavam o Ocidente:


Hugo Chávez e Robert Mugabe", explica Shingai Nyoka, correspondente da BBC no Zimbábue. Em 2008, o Zimbábue teve a segunda maior hiperinflação já registrada no mundo: 79.600.000.000%, de acordo com a Tabela de Hiperinflação Global da Hanke-Krus. Hoje, sua moeda caiu em desuso e as transações são feitas com moedas estrangeiras, especialmente dólares e randes sul-africanos.


A imprensa do Zimbábue está acompanhando de perto o que ocorre na Venezuela. O motivo é que, apesar dos países estarem tão longe um do outro e serem tão diferentes, a população zimbabueana compara a situação da Venezuela com a sua própria há anos. "Os dois países têm problemas econômicos e políticos que incluem hiperinflação, escassez de alimentos e governos em desacordo com o Ocidente.


O presidente Maduro e o ex-presidente Mugabe culpavam o 'imperialismo' pelos seus infortúnios", diz Nyoka. "Alguns chamam o Zimbábue de 'a Venezuela da África", completa. Enquanto alguns pensam que a situação do Zimbábue deve servir de advertência para a Venezuela, mostrando o quão difícil pode ser "conservar um Estado falido", outros pensam que Maduro "está sendo sabotado por países que querem o petróleo da Venezuela". "Eles acreditam que a crise econômica (da Venezuela) é produto de sanções e sabotagem - da mesma forma que acreditam que essas são as causas dos problemas econômicos do Zimbábue", afirma Nyoka. "Acham que Maduro está pagando o preço por ter enfrentado o Ocidente."


 




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