O paulista Lelio Paolo Gigante, 84, tinha vida simples em Salvador e fingia viver da cobrança de alugueis de imóveis que tem na região da Ladeira dos Aflitos, onde foi preso nesta terça-feira (4) pela Polícia Federal.
De comissário de bordo que traficava relógios falsificados para complementar a renda a especialista em falsificação de passaportes da máfia italiana, Gigante é hoje, segundo a polícia, quem testa o grau de pureza de maior parte da cocaína que sai da Bolívia e é enviada à Europa depois de passar pelo Brasil.
A polícia estima que ele tenha cerca de dez imóveis em Salvador, os quais seriam uma forma de lavar o dinheiro oriundo do tráfico. No ramo imobiliário, Gigante também encontrou problemas, sobretudo com inquilinos que não pagavam aluguéis.
No Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) constam processos diversos em que ele aciona terceiros que deixaram de cumprir com suas obrigações. Mas, também aparece em processos como devedor do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU).
Era numa dessas casas que Gigante recebia integrantes da facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) com amostras de cocaína vindas da Bolívia. Segundo a polícia, ele não é integrante do PCC, mas a organização fazia parte do seu rol de fornecedores.
Gigante, de acordo com a polícia, era a ligação entre a facção paulista e os traficantes na Europa. Depois da palavra dele, a droga era colocada em cápsulas e enviada por meio de “mulas”, pessoas que faziam o transporte às vezes engolindo as cápsulas, até a Europa.
Essa rotina já vinha pelo menos desde 2016, quando a Polícia Federal passou a investigar o senhor de cabelos brancos que, apesar do largo histórico de crimes e prisões, não possui registros de cumprimento de pena no Brasil, segundo a polícia.
No início da década de 1980, em Penedo (RJ), ele foi envolvido na morte de uma adolescente de 14 anos, junto com o italiano Tommaso Buscetta, integrante da máfia italiana que viveu no Brasil e morreu aos 71 anos em Nova Iorque, onde foi viver sob proteção da Justiça italiana depois de delatar integrantes da Cosa Nostra.
As suspeitas da época, relata Leandro Demori em “Cosa Nostra no Brasil – A história do mafioso que derrubou um império” (2016), livro que tem Buscetta como personagem central, eram de que a casa onde a garota foi morta estaria sendo usada para o tráfico.
Gigante quase passou despercebido na época, pois as atenções da Polícia Federal estavam mais voltadas para Buscetta, já conhecido integrante da máfia italiana que tinha sido expulso do Brasil em 1972, depois de ter sido preso pela polícia.
Contudo, ao fazer uma batida na casa onde ocorreu o homicídio, consumado possivelmente depois de um estupro, a polícia encontrou uma mala que seria de Gigante onde havia materiais usados para fabricar documentos falsos.
Por décadas, Gigante facilitou a vida da Casa Nostra com seus serviços de falsificação de documentos, sobretudo passaportes, e foi por meio de um desses que o brasileiro encontrou Buscetta, no final da década de 1960, em Montreal, no Canadá.
Pouco antes de os dois se encontrarem, Gigante, criado na Itália, para onde foi levado pelos pais quando ainda tinha um ano, era comissário de bordo da Avianca na Colômbia, de onde voava para Estados Unidos e Europa.
Segundo relata o livro de Leandro Demori, para completar o salário como comissário ele traficava relógios falsificados, até ver no tráfico de heroína um negócio mais lucrativo.
Numa de suas aventuras, durante o inverno, acabou detido para averiguação em um posto aduaneiro na fronteira dos Estados Unidos com o Canadá. O medo de ser deportado o fez fugir do prédio e caminhar por até 50 quilômetros na neve e parar em Montreal.
Depois de pedir ajuda a um grupo que apoiava imigrantes ilegais, foi jogado nos fundos de um carro por dois desconhecidos e acomodado numa casa, onde dormiu por dois dias, acordando poucas vezes para comer, até se deparar com Buscetta ao seu lado.
O italiano na época já era foragido da polícia, e Gigante estava com um passaporte falso que tinha as digitais de Buscetta e o nome de Roberto Cavallaro, um dos tantos nomes falsos usados por Tommaso Buscetta.
O documento falso, contudo, havia ficado com os agentes quando fora detido. Após isso, Buscetta tornou a desaparecer e Gigante voltou ao Brasil, onde se encontraram novamente no Rio de Janeiro.
Segundo a polícia, eles eram parceiros e consideravam-se como “compadres”. Buscetta, depois de preso e delatar o esquema da máfia siciliana, não foi mais visto por Gigante, o qual, para a polícia, nunca deixou o mundo do crime.
A prisão temporária de Gigante é por 30 dias. A Polícia Federal informou que pedirá que a prisão dele seja convertida em preventiva, diante das provas obtidas na operação desta terça-feira.
Gigante responderá pelos crimes de organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013), associação para o tráfico (art. 35 da Lei 11.343) e lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998).
Novo chefe da Cosa Nostra é preso na Itália
A polícia da Itália também prendeu nesta terça-feira (4), na Sicília, pessoas suspeitas de integrar a cúpula da Cosa Nostra, a mais conhecida organização mafiosa italiana. Foram 46 prisões, incluindo a de Settimino Mineo, 80 anos, apontado como o novo líder da máfia.
Entre os crimes imputados aos 46 suspeitos estão associação mafiosa, extorsão agravada, incêndios dolosos, declaração fictícia de bens e porte abusivo de armas.
De acordo com a agência italiana de notícias Ansa, o inquérito concluído pela Direção Distrital Antimáfia de Palermo aponta que o conselho da Cosa Nostra, chamado de “cúpula”, não se reunia há anos, mas foi convocado novamente no dia 29 de maio deste ano.
A reunião teria acontecido seis meses após a morte de Salvatore “Totò” Riina, que foi o líder da máfia siciliana, mesmo tendo cumprido prisão perpétua desde o início dos anos 1990.
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