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Estudante bolsista detectou sozinha desvio milionário de bolsas que a UFPR deu indevidamente


Débora Sögur Hous colou, nas paredes do apartamento em que mora os dados coletados que ajudaram a revelar uma rede envolvida no desvio de recursos públicos.| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Débora Sögur Hous desconfiou quando a própria bolsa de estudo atrasou. Sem sair de casa, consultando dados públicos, descobriu que cabeleireira, taxista e artesã recebiam dinheiro de pesquisa.


Esta história é sobre o poder de um olhar atento – e também sobre a importância dos portais de transparência, que forçam a publicação de informações que muitos gestores gostariam de manter escondidas.


Um exemplo bem marcante foi a divulgação de um desvio de R$ 7,3 milhões – dinheiro que deveria servir para custear pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e que levou 29 pessoas para a prisão.


As informações que revelavam a irregularidade estavam disponíveis na internet, ao alcance de quem tivesse o interesse e a curiosidade para seguir uma trilha de pistas. Ao ponto de o descuido levar a Polícia Federal (PF) e o Tribunal de Contas da União (TCU) a criticar a falta de cuidado da universidade, considerando “ilegalidades grosseiras” o desvio das bolsas.


Débora Sögur Hous, estudante de Jornalismo da UFPR de 25 anos, começou a consultar o Portal da Transparência do governo federal por um motivo pessoal: bolsista, ela recorria ao site todos os meses para saber se os valores haviam sido depositados.


Aos poucos, ela foi entendendo a lógica de publicação das informações e passou a perceber pontos fora da curva, ou seja, dados que escapavam do padrão.


Eram depósitos de valores bem acima da média, feitos em ordens bancárias a um pequeno grupo de pessoas (enquanto os demais casos somavam centenas de destinatários na mesma autorização de pagamento).


As primeiras suspeitas surgiram em 2014, mas Débora ainda não conseguia sistematizar as informações. Foi aí que ela buscou se especializar: fez dois cursos da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e outros dois da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), além de uma oficina com o coletivo de jornalistas Livre.jor, parceiros da Gazeta do Povo.


Com o que aprendeu, conseguiu montar toda a rede de pagamentos suspeitos. Além do próprio Portal de Transparência, Débora usou o Google e o Facebook para saber quem eram os supostos bolsistas. Assim, sem sair de casa, consultando dados públicos, ela descobriu que uma cabeleireira, um taxista e uma artesã, por exemplo, estavam na lista dos beneficiados pelas bolsas de de pesquisa de mais altos valores na universidade. Sem muitos recursos, Débora fez uma auditoria própria nos pagamentos feitos pela UFPR. Ela percebeu o que os sistemas de controle de gastos públicos levaram quatro anos para identificar (já que os depósitos irregulares começaram em 2013).


Mesmo com o “alerta” emitido em 2014 – quando foi publicada a série Universidade S.A., um conjunto de reportagens produzido por cinco veículos de comunicação, incluindo a Gazeta do Povo, mostrando casos de pagamentos suspeitos –, os filtros governamentais não foram capazes de encontrar rapidamente o desvio que estava acontecendo na UFPR. O Tribunal de Contas da União (TCU) detectou a irregularidade em outubro de 2016.


O caso foi comunicado à direção da Universidade, que avisou, em novembro, a Polícia Federal para que a situação fosse investigada. Em dezembro, começou a circular pelos corredores da UFPR a informação de que havia sido descoberto um esquema de pagamentos irregulares em bolsas de pesquisa.


Dois funcionários da instituição procuraram a Gazeta do Povopara alertar sobre as suspeitas, mas ainda eram dados esparsos, sem muita clareza do que se tratava. Interessada em publicar o que tinha compilado ao longo de meses, Débora também entrou em contato com o jornal em janeiro.


Os dados que ela passaram a ser apurados pela reportagem, que antes da operação da Polícia Federal ser deflagrada já havia feito contato com os mais de 30 envolvidos, alguns de outros estados, como Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro.


Quando estourou a operação Research, da Polícia Federal, no dia 15 de fevereiro, prendendo 29 pessoas envolvidas no esquema, a Gazeta do Povoestava na fase de propiciar aos supostos bolsistas o direito de explicar quais pesquisas fizeram. Alguns disseram que não tinham qualquer vínculo com a UFPR e outros tentaram justificar os recebimentos, dizendo que haviam prestado serviços.


Mais tarde viriam a público os indícios levantados pela PF de que a servidora Conceição Abadia de Abreu Mendonça, responsável pela gestão do orçamento da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPR, havia montado uma rede, ora destinando recursos para conhecidos, que ficam com uma pequena parte do valor, ora pagando despesas pessoais – como honorários advocatícios, roupas e joias – depositando o valor das bolsas na conta dos prestadores de serviço.


As informações apuradas pela Polícia Federal conferem com as coletadas por Débora – ao analisar os dados de pagamentos fora do padrão, ela encontrou três nomes que não constam no inquérito da PF, que foram contatados pela Gazeta do Povo e negaram ser pesquisadores da UFPR.


Graças ao levantamento de dados que havia sido feito pela estudante, foi possível avançar na cobertura e esclarecer alguns pontos para o leitor.


Fiscalização em alta


Para Gil Castelo Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, especializada em monitoramento de gastos públicos, um dos grandes avanços do combate à corrupção se deve à ampliação da transparência e do controle social.


Ele comenta que a lei que obrigou a criar portais para disponibilizar os dados é de 2009 e que, até hoje, há várias situações em que os dados são divulgados de forma cifrada (ou seja, só quem é da área é capaz de entender) ou mesmo com uma série de barreiras que dificultam a consulta.


Por outro lado, Gil ressalta que a exigência dos portais criou uma situação inusitada:
“hoje a quantidade de informações disponíveis talvez seja maior do que a nossa capacidade de analisalas”.

Ele vê como tendência o aumento de controle social – um exemplo são os 120 observatórios instituídos no Brasil – e destaca que esse tipo de iniciativa tem crescido alavancada pela indignação e o interesse do cidadão em acompanhar a boa gestão dos recursos públicos. Gil ainda destaca que os portais “intimidam” gestores mal-intencionados, que sabem que as informações estão disponíveis para a consulta.

“Se não é pela índole, que seja pelo temor”, frisa. Marina Iemini Atoji, gerente executiva da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), concorda que os portais de transparência e o controle sociais são importantes aliados para melhorar a gestão do dinheiro público.“É mais um braço para ajudar a administração pública a se colocar em ordem”, enfatiza.

Para a gerente, o interesse do cidadão pela aplicação correta dos recursos está ganhando corpo e pode ser ainda mais estimulado caso a linguagem dos portais passe a ser mais acessível.





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