O segundo dia do seminário Brasil Contra a Impunidade contou com a presença do juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Responsável pelos processos da Lava Jato no estado, foi um dos palestrantes na manhã deste sábado (13) e falou sobre o combate à corrupção e à impunidade.
Com um forte esquema de segurança no local, o magistrado foi muito aplaudido ao entrar no palco. Em seu discurso inicial, Bretas explicou a diferença entre a Lava Jato em Curitiba, que tem foco nas empresas, e a Lava Jato no Rio de Janeiro, que tem foco no governo. Apesar do sucesso no combate à corrupção, ele também deixou claro que não “não é uma grande operação que vai acabar com o desvio de dinheiro público.
Para o juiz, é necessário mudar a ideia que muitas pessoas têm de que a corrupção é um crime menos grave. Ele citou exemplos de políticos do Rio de Janeiro que criticaram o combate ao desvio de dinheiro público no estado por considerarem que isso impedia a investigação de outras organizações. Para ele, quem pensa assim agem de má-fé por considerar que “organizações criminosas voltadas à prática de corrupção fossem menos danosas à sociedade”. Bretas falou ainda sobre a gravidade da corrupção sistêmica.
– Não há crime pouco grave. Todo crime merece a resposta forte e firme do poder judiciário, da polícia federal. Todos merecem a atuação firme dos órgãos públicos. O problema da corrupção sistêmica é que ela passa um recado errado para a sociedade. Se o líder pode se corromper, se os que têm mais responsabilidade podem se corromper, porque nós em níveis inferiores não podemos? – questionou
Para isso, de acordo com o magistrado, é preciso também edução. Ele disse que educou seus filhos desde cedo que é preciso respeitar a lei, mas explicou que há filhos de autoridades que usam o nomes dos pais para obter benefícios.
– Eu ensinei desde cedo aos meus filhos que ele deveriam ser exemplos duplamente. Porque se algum deles fizesse algo errado lá fora, seria duplamente penalizado porque tem que dar o exemplo que recebeu dos pais. E graças a Deus parece que eles entenderam isso. No entanto, não é muito difícil ouvir casos ao contrário. Filhos de autoridades se valendo disso para dar carteirada ou criar problemas invocando algum tipo de autoridade que ele não têm. Aliás, não há autoridade que justifique a prática de um abuso ou ilegalidade – ressaltou.
Marcelo Bretas comentou ainda fala do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que detalhou um esquema criminoso no setor de transportes do estado por décadas. Ele disse que há suspeitas também sobre a área de saúde no estado, o que considerou como “muito cruel”.
– Ele [Cabral] explicou, de forma muito didática, que o setor de transportes do Rio de Janeiro tem mais de 30 anos de corrupção. É alguém que viu isso de perto. E não é pouca coisa. Tá certo que o país viveu uma crise econômica muito forte e é verdade que o estado do Rio depende muito do petróleo, mas me parece que a corrupção instalada aqui há décadas tem um elemento muito importante em tudo que se vive hoje. Aliás, a sensação que se tem é que o Brasil é um país riquíssimo. Tanto se roubou que nós conseguimos estar aqui vivos. As coisas ainda funcionam mal e porcamente. Como pode? Imagine se não houvesse essa sangria do dinheiro público? – indagou.
Durante a palestra, que durou cerca de uma hora, o juiz aproveitou um momento para fazer um desabafo sobre a atuação de parte do poder Judiciário.
– É tempo do Judiciário se apresentar para o trabalho. Durante muitos anos eu vi muitos colegas passarem períodos longos no exterior. É muito bom se especializar, mas chega uma hora que é preciso trabalhar. Mas é o contrário o que nós temos visto. Especialmente no Judiciário acho que é onde eu recebo a maior oposição. É estranho explicar isso, mas é uma questão simples de vaidade e algum outro sentimento menos importante – desabafou.
Ao final da apresentação, Marcelo Bretas virou para a plateia e os chamou ao trabalho. Disse que é preciso ter coragem para enfrentar as organizações criminosas, mas que o Brasil deve mudar em breve.
– Não podemos ter medo (…), porque quem está do lado de lá conta com isso, com esse terror psicológico, com esse medo (…) O estado sempre vai ser mais forte do que organizações criminosas, seja de corruptos ou seja de milícias. Temos que ter coragem de enfrentar. Não estou falando para ninguém ser algum tipo de mártir, mas é um momento especial do país. Estamos em transição e eu tenho certeza de que seremos um país muito melhor e muito pouco tempo – concluiu.
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