Afastado do cargo nesta terça-feira por ordem do Superior Tribunal de Justiça (STJ) após suspeitas de corrupção, o presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) Gesivaldo Nascimento Britto movimentou R$ 24 milhões em suas contas bancárias nos últimos sete anos, de acordo com informações levantadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) .
Ao pedir o afastamento e uma operação de busca e apreensão contra quatro desembargadores do TJ-BA e dois juízes de primeira instância, a PGR cita a existência de um "ambiente de corrupção sistêmica" no tribunal baiano. O ministro do STJ Og Fernandes , relator do caso, aponta em sua decisão "uma teia de corrupção, com organização criminosa formada por desembargadores, magistrados e servidores do TJ-BA, bem como advogados, produtores rurais e outros atores do referido Estado".
A investigação aponta suspeitas de que Gesivaldo Britto atuou em um esquema ilegal de grilagem de terras no oeste baiano que envolveu pagamentos de propina e compra de decisões judiciais. Após quebrar o sigilo bancário do desembargador, a PGR detectou movimentação financeira de R$ 24,4 milhões, entre créditos e débitos, no período de janeiro de 2013 e a data atual.
"Do crédito total de R$ 12.161.672,77 recebidos no período, apenas R$ 2.251.590,45 compõem a rubrica de 'pagamentos salariais', o que indica um volume de ganhos totalmente incompatível com os vencimentos recebidos como servidor público", aponta a decisão judicial. Isso significa que Gesivaldo recebeu, no período, R$ 2,2 milhões do seu salário de desembargador e outros R$ 10 milhões de outras origens. Algumas transações foram registradas como empréstimo, mas a PGR aponta suspeitas de que seriam apenas fictícios para lavagem de dinheiro.
Grilagem
De acordo com a investigação, mais de 800 mil hectares de terra na região do oeste baiano foram alvos de grilagem graças a decisões proferidos por juízes da região. Uma portaria de julho de 2015 do TJ-BA foi o ponto de partida do esquema. Essa portaria cancelou a matrícula de dois imóveis e dos seus desmembramentos. Após o cancelamento, um dos operadores do esquema, Adailton Maturino, participou da confecção de acordos judiciais com os ocupantes das áreas para que eles fizessem vultosos pagamentos para continuar ocupando as suas fazendas. Segundo a investigação, o acordo rendeu pagamentos superiores a R$ 1 bilhão ao esquema criminoso operado por Maturino, que se autoproclama cônsul da Guiné-Bissau.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a revogação dessa portaria do TJ-BA que abriu brecha para a grilagem. O presidente afastado Gesivaldo Britto recorreu contra a revogação e vinha resistindo a implantá-la. A investigação aponta ligações entre Gesivaldo e Maturino, como o fato do cônsul ter sentado na primeira fileira na posse do desembargador como presidente do TJ-BA. A PGR também cita que Gesivaldo indicou juízes para atuar no processo de conciliação que rendeu a indenização bilionária a Maturino. Diversas decisões administrativas e judiciais são citadas como suspeitas de terem sido tomadas para permitir as fraudes.
Outro imóvel rural também teve matrícula revogada e abriu brecha para outras negociações de acordos fraudulentos, com a participação de Maturino e juízes de primeira instância indicados por Gesivaldo, aponta a PGR.
"O investigado, na condição de presidente, inclusive no presente ano de 2019, tem indicado juízes suspeitos para atuar no oeste baiano, a exemplo de Sérgio Humberto Sampaio e Marivalda Moutinho, que atuaram de forma a impulsionar o esquema criminoso liderado por Adailton Maturino em comarcas específicas e sensíveis na região do Oeste baiano, conforme restou demonstrado em diálogos obtidos por meio de interceptação telefônica", aponta a decisão judicial.
O caso das grilagens era alvo de uma sindicância do CNJ. A investigação aponta, porém, que o TJ-BA estava descumprindo as determinações do CNJ para anular decisões que permitiram as grilagens. "É relevante destacar as dificuldades que o CNJ está tendo para que seja devidamente cumprido o seu acórdão proferido em 14 de março de 2019, o que não ocorreu até o presente momento, por conta da aparente resistência de membros do TJ-BA", aponta a decisão do ministro.
Além de Gesivaldo, também foram alvos dos afastamentos os desembargadores José Olegário Monção, Maria da Graça Osório e Maria do Socorro. Ainda foram afastados os juízes Marivalda Moutinho e Sérgio Humberto Sampaio. A Polícia Federal cumpre nesta terça-feira mandados de busca e apreensão contra eles, além de quatro mandados de prisão temporária contra supostos operadores do esquema. A operação foi batizada de "Faroeste".
Outro lado
Em nota, a assessoria de comunicação do TJ da Bahia afirmou que o órgão foi "surpreendido" com a ação da PF e que o primeiro vice-presidente, desembargador Augusto Bispo, comandará o tribunal durante o afastamento do presidente.
Leia a íntegra da nota:
"O TJBA foi surpreendido com esta ação da Polícia Federal desencadeada na manhã desta terça-feira (19/11/19). Ainda não tivemos acesso ao conteúdo do processo. O Superior Tribunal de Justiça é o mais recomendável neste atual momento para prestar os devidos esclarecimentos. A investigação está em andamento, mas todas as informações dos integrantes do TJBA serão prestadas posteriormente com base nos Princípios Constitucionais.
Pelo princípio do contraditório tem-se a proteção ao direito de defesa, de natureza constitucional, conforme consagrado no artigo 5º, inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes.
Ambos são Princípios Constitucionais e, também, podem ser encontrados sob a ótica dos direitos humanos e fundamentais. Logo, devem sempre ser observados onde devam ser exercidos, e de forma plena, evitando prejuízos a quem, efetivamente, precisa defender-se.
Quanto à vacância temporária do cargo de presidente, o Regimento Interno deste Tribunal traz a solução aplicada ao caso concreto. O 1º Vice Presidente, Desembargador Augusto de Lima Bispo é o substituto natural."
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